19:13
Enquanto esperava o que parecia uma eternidade para o sistema do PC iniciar começou a pensar no que lhe ia escrever no e-mail.
- Nada. Não sei o que escrever. Se calhar o melhor é esquecer esta ideia... - admitiu ela.
Assim, acedeu à internet, entrou no blog e esteve a ver as novidades. Foi ao youtube e colocou uma playlist a tocar para poder começar os resumos das aulas. Ah! Qual quê!! Ela tinha de escrever qualquer coisa ou corria o risco de explodir.
Pedro,
não te vou dizer nada demais. Só te vou contar o que fiz depois de me teres deixado em casa. Então...
Mal cheguei a casa tive de arranjar uma desculpa para sair. Não aguentava ficar fechada pois isso implicaria pensar no que tinha acontecido de tarde e claramente não ia acabar bem! Assim sendo, fui andar. Só andar. Quando a cabeça não pára, o mais natural é encontrares-me de mãos nos bolsos a caminhar sem fado aparente. Descobri que me faz perder a velocidade de raciocínio e em dias como hoje é bem necessário. Não me acontece muitas vezes. Aliás, já nem me recordo da última caminhada. Porém, hoje, avivei a sensação.
Não posso dizer que organizo a cabeça com esta mania porque de facto não organizo. Somente deixo de pensar a 120km/h para passar a raciocinar a uns inofensivos 40km/h. É óptimo para não perder o controlo e cometer erros que podem muito bem minar a nossa vida.
Hoje, contudo, deparei-me com a entrada de minha casa cedo demais. Daí, para tardar ainda mais o eminente confronto com a minha porta, escolhi as escadas ao elevador e fui subindo bem devagar.
Sem poder fugir mais, entrei em casa e dei comigo a pegar no meu livro preferido. Abri a página onde tinha interrompido da última vez e comecei a ler. Queria fazer de tudo para não pensar.
"- (...) porque é que queremos escapar à morte?
- Sabes? Acho que aquilo que temos no presente inclui tudo. No presente, temos tudo, não falta nada. Por isso, não há qualquer necessidade de pedir a Deus o que nos falta, nem de procurar isso no outro mundo ou no paraíso, porque já existe aqui. E penso que o mais importante é, precisamente, a sua busca - disse fazendo uma pausa. - E o que não existe, aqui e agora, também não existirá depois da morte. Só o que existe, aqui e agora, é que continuamos a ter depois de mortos. Entendes o que quero dizer? É que não sei se me estou a expressar bem.
- O meu amor por ti existe aqui e agora e, consequentemente, de certeza que continuará a existir depois da morte - disse eu, prosseguindo o raciocínio dela.
- Sim, é isso mesmo - assentiu Aki. - Era exactamente isso que eu queria dizer e é por isso que não faz sentido nenhum ficarmos tristes ou termos medo."
Fez-me lembrar as tão nossas conversas doidamente complexas em que muito provavelmente o final seria abrilhantado por insultos de ambas as partes. A ti não?
Mas, além disso, não achas que eles têm razão? O que temos é o que teremos. Nada mais e nada menos. Só isto.
Fiquei com curiosidade, diz-me, se eu morresse hoje. Se por um capricho do destino desaparecesse da face da terra. O que te acontecia? Qual o primeiro pensamento que te atacava? Sentias-te satisfeito com aquilo que alcançámos ou fazias algo diferente?
Sabe então que, se o escuro te roubasse de mim, se a tua boca se silenciasse e os teus olhos abandonassem os meus, se as minhas mãos sentissem a falta das tuas e os meus dias virassem noites e eu nunca mais pudesse sentir o calor da tua presença como hoje, decerto me culpava de nunca te ter dito que me fazes feliz só por existires e que se tivesses aceite um outro caminho podíamos ter tido tudo.
We could have had it all,
Inês.
- Pronto.
Por medo, nunca chegou a enviar o e-mail.
(Nota: Parece que o hiato durou muito pouco. Não sei se ainda bem ou se devia ter esperado mais. Oh bem, eu sou assim, apressada.)
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