2.11.11

Encontros de Pedro e Inês I

Escrita em Setembro, 2011.

Estava uma noite fria como tantas outras que se sentiram durante aquele Inverno rigoroso. Ela estava sentada à mesa do costume no café habitual. Entre as mãos agarrava uma caneca bem quente de chá, cuja fragrância chegava até mim na mesa ao lado. O chá de sempre, pensei.
De facto, desde que a vi pela primeira vez não notei nenhuma diferença nos seus costumes. Tudo nela traduz-se com um grande "de sempre". O único aspecto que nela mudava era o rosto.
Já vi muitos rostos na minha vida. Já identifiquei muitas emoções nos rostos de outras pessoas, umas conhecidas outras nem tanto. Aquela mulher não me é conhecida, não sei o nome dela, posso adivinhar a idade mas com a minha sorte o mais provável seria errar. Contudo, sempre consegui ver quando é que ela estava feliz ou preocupada, chateada ou apaixonada. Sempre. Até hoje.
Olhei para a expressão dela e não vi nada definido. Coisas substanciais, talvez. 
- Que grande confusão pr'aí vai. . .
Ela olha na minha direcção e sorri.
- Nem imagina.
Falei em voz alta! Oh que... Isto só a mim...
- Desculpe. Não era minha intenção... Eu...
- Não tem mal. Só constatou a realidade do que vê. 
- Está tudo bem consigo? Posso ajudar?
- Penso que sim. Mas não sei.
- Isso é...
- Confuso? 
Aceno com a cabeça.
- Pois... Que confusão pr'aqui vai não é verdade?
Nesta altura rimos os dois. Eu com algum embaraço e ela com algum receio.
- O meu nome é Inês.
- Pedro.
Ela larga a caneca e estende a mão, eu aperto-a.
- Olá Pedro.
- Prazer, Inês.
- Posso fazer-lhe uma pergunta?
- Depois daquilo... Obviamente!
- Como é que soube que eu estava, estou, confusa?
- Isto vai parecer estranho e até um pouco romantizado mas não me leve a mal. Não tenho más intenções! Eu soube porque pela primeira vez não conseguir ver nada no seu rosto. Pelo menos, nada específico.
- Costuma observar-me muitas vezes Pedro? Porque de facto parece muito estranho!
-...
- Calma, estou a brincar consigo. De facto hoje sinto que não sei nada. Sinto-me o ser mais idiota à face da Terra, nem sei mais o que dizer tal é a balbúrdia no "andar de cima". Nem sei porque falo consigo.
- Trabalho?
- Também...
- Uh, já sei! Paixões...
- Já nem sei! - disse animada.
- É um mix de tudo então.
- Isso mesmo. Um mix.
- Hmm, entendo... Por vezes é melhor separar os pensamentos em grupos. Já fez isso?
- Pois, lá está. Não consigo porque a base é a mesma. O medo constante de errar, está em todos. Tento sempre não errar, tento fazer as coisas certas. Tento racionalizar as coisas mas não consigo... 
- Como assim?
- Como assim? Então... Deixo-me sempre levar pelas emoções. Sempre, sempre. Essas emoções até podem ser despoletadas pela outra pessoa na brincadeira, mas desde que eu me sinta inferiorizada ou com o orgulho ferido... Viro fera, saiam da frente porque eu perco o controlo! E eu era uma pessoa tão controlada, mantinha sempre os meus sentimentos em xeque. Não me revelava. Continuo reservada mas controlada é que nem pensar.
- Então porquê?
- Não sei... Quer dizer, faço uma ideia...
- Se não quiser dizer não precisa.
- Primeiro: a partir de agora trate-me por tu, isto está a tornar-se esquisito na terceira pessoa.
- Tudo bem...
- Segundo: a minha reacção depende da pessoa que está do outro lado.
- Então, o que me estás a dizer é que algumas pessoas te baixam as guardas e fazem com que lides com elas de maneira mais emocional. Respondes mal e porcamente.
- Eu...Não disse nada disso.
Ouvia-se aquele tilintar de espanto na voz dela.
- Disseste sim. Nas entrelinhas... Se há coisa que já notei é que tens tendência a complicar o teu discurso.
- ...
- Vou entender o silêncio como uma confirmação. Para mim também dizes mais quando não falas.
- ...
- Mais uma - fazendo troça.
- Ok. Pára. És como o tipo do "Lie to me" ou quê?!
- Se quiseres colocar nessa perspectiva pode-se dizer que sim! Estou a gozar... Eu paro.
- Não sei o que fazer...
- Oh Inês, diz-me, essas pessoas são importantes para ti?
- Todas elas. Muito importantes.
- E achas que elas te conhecem ao ponto de saberem quando respondes de forma emocional ou não?
- Uma ou duas.
- E a pessoa que te fez ficar confusa. Sabe distinguir?
- Não. 
- Então o melhor é para de reagir assim. Começa a camuflar as tuas palavras. 
- Mas como é que eu faço isso? Essa é a questão.
- Talvez afastando-te ou talvez cometendo loucuras. Depende de quem é essa pessoa e aquilo que ela representa para ti.
- Basicamente, palavras menos cheias de emoções ou palavras repletas de emoções para que eu me faça entender.
- De certa forma.
- Entendo... Acho que não custa experimentar.
- Podes-me dizer que palavras vais passar a usar?
- Ainda não sei...
- Achas que essa pessoa prefere qual?
- Sei lá!
- Não vai ser fácil Inês.
- Se fosse fácil não se chamariam pessoas importantes.



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